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O “xeque mate” na educação foi dado. E agora?

A expressão “xeque mate”, usada para indicar o lance final de uma partida no jogo de xadrez, aplica-se bem para o atual modelo de educação. É o que apontam as últimas pesquisas realizadas em 2020. A UNICEF, apresentou o resultado de uma pesquisa online feita com 40 mil jovens em mais de 150 países, mostrando que aquela crença de que um diploma universitário garantiria a qualificação profissional e um emprego valorizado e bem remunerado não seria mais uma realidade percebida por estudantes, profissionais e executivos. A pesquisa apontou que muitos jovens sentem que o modelo educacional atual não os ajuda a desenvolver habilidades necessárias para conseguir um emprego. Da mesma forma, os programas de treinamento que lhes são oferecidos não correspondem às suas aspirações de carreira.

As principais habilidades que os jovens desejam adquirir para ajudá-los a conseguir emprego na próxima década são liderança (22%), seguida de pensamento analítico e inovação (19%) e processamento de informações e dados (16%) – UNICEF

Essa percepção também ocorre entre os CEOs globalmente (74%). Segundo uma pesquisa da PwC, eles se preocupam em desenvolver habilidades para que possam expandir seus negócios, e consideram que as pessoas que mais precisam de qualificação são aquelas que têm menor acesso às oportunidades. 

Assim, enquanto a sociedade demanda por uma educação que garanta o aprendizado de habilidades profissionais desde a escola, a partir dos 11 anos no mundo, e no Brasil aos 14 anos, o sistema de educação se distancia das questões reais, complexas e práticas da sociedade, a partir de um ensino que privilegia a memorização, em vez de profundidade e compreensão.

Para um melhor entendimento, o Fórum Econômico Mundial mapeou quais são os desafios globais mais urgentes, e trouxe interconexões entre várias tendências, realçando conexões importantes e que continuarão a evoluir de formas imprevisíveis nos próximos anos.

Tendências e riscos globais (Fonte: Fórum Mundial de Educação e CCR)

 

Diante esse cenário, o nosso desafio é enorme: como construir um novo modelo de educação, em um ambiente de complexas e constantes mudanças, com profissões e demandas que ainda nem existem?

Center for Curriculum Redesign (CCR), órgão internacional e centro de pesquisas, reuniu grupos (organizações internacionais, jurisdições, instituições acadêmicas, corporações e organizações sem fins lucrativos) com diversos pontos de vista e tem se dedicado a identificar quais são os padrões educacionais para o século XXI, como por exemplo, o Projeto de Educação 2030, da OECD ( Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). A partir de 32 estruturas, consideradas importantes no mundo inteiro, chegou à quatro dimensões de objetivos para a educação do século 21.

A educação em 4 dimensões (Fonte: Center for Curriculum Redesign – CCR)

 

Conhecimento – A educação seguirá no aprendizado de matérias tradicionais e consideradas importantes. No entanto, não cabe mais reproduzir conhecimento, mas sim extrapolar o que se conhece, aplicando esse conhecimento em situações inseridas em uma realidade do mundo real.

Habilidades – É ensinar como se usa o conhecimento. Esta visão redefine a transferência do aprendizado para que as pessoas aprendam em situações novas no mundo real, desenvolvendo a criatividade, o pensamento crítico, a comunicação e a colaboração.

Caráter – Se refere à aquisição e ao fortalecimento de virtudes (qualidades) e valores (crenças e ideais) e à capacidade de se tomar decisões para que a vida seja mais equilibrada e a sociedade mais próspera.

Meta-aprendizado ou ‘aprender a aprender’ – Se refere aos processos internos pelos quais refletimos e adaptamos nosso aprendizado. Está na importância do desenvolvermos ao longo da vida habilidades e motivações, e no entendimento de que, quanto mais aprendemos, mais as concepções que temos do mundo ficam antiquadas. Para isso acontecer, é preciso que o estudo e o ensino sejam dinâmicos e permanentes (lifelong learning), sendo necessário a evolução do currículo estático e único, para um dinâmico que possa ser revisto e atualizado continuamente. Outro ponto é reservar partes do currículo para que possam ser personalizadas aos interesses e objetivos de crescimento pessoal de cada aluno.

Ao invés de se seguir um padrão único e inflexível, o que acaba limitando e desestimulando o individuo no próprio aprendizado e no desenvolvimento de sua criatividade, é importante respeitar as diferenças individuais no aprendizado. Isso é mostrado poeticamente na animação “Cloudy”. O novo modelo de educação, independente de ser voltado para crianças, adultos ou executivos, deve trazer resultados práticos, como uma maior realização pessoal e profissional, propiciando maior capacidade de participação na sociedade, colaborando para um mundo mais sustentávelPara se adequar à esta realidade, o Fórum Econômico Mundial lançou a Plataforma Reskilling Revolution para ajudar a preparar 1 bilhão de pessoas a conseguir melhores empregos, educação e habilidades essenciais nos próximos 10 anos.

Mesmo diante pesquisas que demonstram profissionais, estudantes e líderes insatisfeitos com à educação, por que é tão difícil mudar as metodologias, possibilitando melhorias individuais e sociais?

O artigo Cultural Innovation (Inovação Cultural) aponta que para ocorrer mudanças significativas é fundamental desconstruir certos valores culturais que predominam na educação. É importante entender de que forma as empresas, pessoas e mídia atuam, e quais são suas principais crenças, preferências e valores. Por isso, é importante pensar como um sociólogo, dando um passo para trás, identificando aquilo que seja óbvio. Para o autor, somente estes questionamentos abrem novas perspectivas para a inovação. 

No livro Relativizando, Roberto Da Matta, propõe um excelente exercício para sairmos da nossa zona de conforto: “torne o familiar em estranho, e o estranho em familiar”. A partir deste pensamento, eu trago alguns autores consagrados que provocaram questionamentos e com isso, possíveis rachaduras no sistema cultural vigente:

 Será que a memorização de grande quantidade de conteúdo ainda é necessária nesta era em que podemos encontrar a resposta para tudo na internet?

 Uma universidade poderia admitir também pessoas com notas mais baixas nos testes e transformá-las em líderes (em vez de admitir apenas aquelas com as notas mais altas, a maioria oriunda de família de maior renda, que possivelmente poderiam torna-se líderes, independentemente dos quatro ou cinco anos de graduação?

Por que, embora os empregadores desejem candidatos com níveis altos de QE, resiliência, empatia e integridade, esses raramente são atributos que as universidades desenvolvem ou selecionam nas admissões?

Os questionamentos acima trazem um ponto importante: colocam o ser humano no centro, da mesma forma que a metodologia apresentada pelo Center for Curriculum Redesign (CCR). Só o ser humano tem capacidade em usar suas emoções para apaziguar conflitos, utilizar o pensamento crítico na tomada de decisões, ou a criatividade na busca de soluções, para um mundo melhor. São visões assim que fazem a diferença.

Como exemplos, cito a professora brasileira, Doani Emanuela Bertan, que é TOP 10 no ‘Global Teacher Prize 2020′, considerado o Nobel da educação. Ela ensina matemática, português, geografia e ciências em Português e em linguagem de Sinais (Libras), no canal de Youtube Sala8, tornando mais acessível o conhecimento a jovens surdos. Outro exemplo é o do professor indiano Ranjitsinh Disale, ganhador do Prêmio Professor Global, que tem contribuído paratransformar a vida de muitas jovens estudantes livrando-as do casamento precoce, e para que se dediquem aos estudos na Índia. No mundo corporativo o livro 6D: as seis disciplinas que transformam educação em resultados para o negócio, apresenta ações estratégicas que têm como objetivo tornar programas de treinamento corporativos mais efetivos e mensuráveis, eliminando obstáculos para que o aprendizado alcance seu pleno potencial e contribua de forma estratégica.

O mundo exige uma educação integrada com a sociedade e com o mercado de trabalho. Somente assim, teremos uma sociedade mais igualitária e próspera. O xeque-mate foi dado, e agora, como cidadãos, temos mais condições de exigir novos modelos de educação e de desenvolvimento como um direito para melhorias individuais e sociais.

Michael Fullan, especialista em reforma educacional, acredita que a ideia seja 25% e a implementação, 75% da solução. Por isso, é urgente colocar a mão na massa. Educadores, escolas públicas e privadas, empresas de treinamento, RH das empresas, corporações, institutos e startups, podem aplicar os resultados dessas pesquisas no mundo real. Testando, errando, avaliando e ajustando em parceria com a sociedade civil. O “xeque mate” na educação foi dado.

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