O ensino híbrido ganhou força entre os docentes no segundo semestre de 2020 por utilizar o potencial das tecnologias digitais para a coleta de dados pelo professor, que os utilizará para personalizar o ensino de forma a potencializar a aprendizagem de seus alunos. Ele promete ser o principal modelo a ser adotado na retomada presencial das aulas. Como seus modelos de aulas modificam algumas características nas salas de aula das escolas brasileiras, ainda há muitas dúvidas sobre o que é e como aplicá-lo na prática. O que você sabe conhece sobre Ensino Híbrido?
O que é ensino híbrido e por que ele é tão promissor?
O ensino híbrido é composto por modelos de aula que integram atividades presenciais e on-line, no qual os recursos digitais são utilizados para coletar dados e informações que serão analisadas pelo professor com o objetivo de personalizar o ensino. Ou seja, não se trata apenas de uma mescla do presencial e remoto, mas de usar os recursos digitais para coletar insumos que permitam planejar atividades mais condizentes com as necessidades dos estudantes.
Na retomada gradual das aulas presenciais da rede municipal do Rio de Janeiro, a professora de Ciências Carla Fernanda Ferreira Pires aposta no ensino híbrido para lidar com alguns dos desafios que encontra na sua turma. “Sem todos os alunos em sala de aula precisamos otimizar o tempo que estamos com eles e com o ensino híbrido o professor consegue fazer isso”, diz. Os modelos híbridos permitem ter um olhar mais próximo do processo de aprendizagem do aluno do que em uma aula expositiva, isso porque, por exemplo, esses modelos dão maior liberdade para que o professor possa circular na sala entre os alunos.
Por onde começar?
Para fazer a transição do ensino remoto para o híbrido, Lilian Bacich, diretora da Tríade Educacional e uma das organizadoras do livro Ensino Híbrido: Personalização e tecnologia na educação, aponta que não se deve partir do zero, mas considerar o ensino remoto como um ponto de partida para planejar as ações. Para isso, os passos de implementação são:
1. Entender como funcionou o ensino remoto;
2. Identificar as habilidades essenciais a serem trabalhadas com os estudantes dentro do ensino híbrido e como serão coletadas as evidências de aprendizagem destas habilidades;
3. Organizar as atividades de forma a integrar as propostas on-line (ou remotas com o uso de tecnologias digitais em todos os contextos) e as presenciais;
4. Utilizar os dados e informações coletadas para planejar as próximas ações.
“Não é uma receita de bolo. Pode adaptar [os modelos de ensino híbrido] e moldar conforme sua realidade”, diz Carla. Por isso, Lilian coloca que o ponto de partida é identificar como funcionou no ensino remoto para pensar as próximas ações e os modelos mais adequados. “Redes que não tiveram ensino remoto on-line, mas trabalharam com materiais impressos podem trabalhar com roteiros de aprendizagem como no modelo virtual aprimorado”, exemplifica a especialista. Ela explica que o uso de ferramentas digitais é essencial para o ensino híbrido, no entanto, não necessariamente elas precisam ser utilizadas de forma remota, podendo ser utilizadas, por exemplo, dentro da escola. Também é possível encontrar alternativas que demandem baixa tecnologia ou conectividade limitada.
Ensino híbrido na prática nas escolas públicas
Apesar de estar em foco agora nas escolas, engana-se quem pensa que o ensino híbrido é algo novo. A professora de Ciências Andrea Barreto começou a usar o modelo de ensino anos atrás na rede municipal do Rio de Janeiro. Hoje, ela atua como formadora sobre metodologias ativas e tecnologia. “Sempre levava experiências e debates para minha sala, mas minhas aulas não faziam mais sentido para o aluno. Eles não se interessavam”, conta a educadora. Ao perceber isso, ela buscou novos métodos e encontrou a sala de aula invertida. Assim, os alunos estudavam de forma on-line em casa um conteúdo que seria aprofundado ou utilizado em sala de aula. O espaço da sala de aula era utilizado então para tirar dúvidas, pautar discussões e fazer atividades mais práticas associadas ao tema.
Para Lilian, a sala de aula invertida também é um dos modelos mais aplicáveis quando falamos em ensino híbrido. Ela sugere, por exemplo, que se uma rede tiver aulas transmitidas por televisão (ou até rádio) é possível sugerir que o aluno assista, responda um formulário enviado por WhatsApp e depois, baseado nos resultados do formulário, o professor possa desenvolver outras atividades presencialmente em que o conteúdo seja aprofundado conforme a necessidade da turma. A especialista também aponta a possibilidade de usar o virtual aprimorado (ou enriquecido), no qual o aluno tem roteiros de estudo on-line e, assim como na sala de aula invertida, utiliza o tempo na escola para o acompanhamento do professor, tirar dúvidas, aprofundar ou debater o que foi estudado.
Outra possibilidade que funciona bem na realidade da escola pública é o laboratório rotacional, no qual os alunos são divididos em dois grupos e se alternam entre um momento na sala de aula com interação com o professor e um momento de atividades com tecnologias digitais em outro espaço – até no mesmo, caso os dispositivos usados sejam móveis, como celulares ou notebooks. “No laboratório [de Ciências] não cabe toda a turma. Então, quando quero fazer um experimento, uma parte fica no laboratório comigo, enquanto a outra faz atividades on-line variadas”, explica Carla. Depois a turma troca de atividades. Sem acesso a muitos recursos digitais, a professora conta que busca alternativas para conseguir ofertá-los para os alunos. “Eu faço com o que tenho. Eles usam um ou dois computadores [que tem disponíveis na escola], ou quem tiver celular passo o vídeo ou outro material por bluetooth [para que não tenham que usar os dados de internet]. Vamos adaptando”.
Outro modelo utilizado por Carla é a rotação de estações, no qual são preparadas diversas atividades sobre um mesmo conteúdo sendo, pelo menos uma, com recursos digitais. As “estações” são organizadas dentro da própria sala de aula, sem uma ordem fixa de rotação. Os alunos são divididos nas estações e depois de concluir as atividades de uma, vão para outra, até circular por todas. “Nesse caso, é preciso quebrar com a lógica de sequência didática, porque as atividades não podem ter uma dependência”, explica Lilian. Isto é, elas devem ser pensadas de tal forma que sejam integradas, mas elas devem ser independentes.
Nesse formato, o aluno consegue entrar em contato com o tema de formas variadas e ainda trocar com os colegas. Um ponto que Carla destaca é a liberdade do professor em circular pelas estações para acompanhar a aprendizagem do aluno e fazer intervenções. “Também respeito o tempo do aluno, pois quem terminar pode ir para a próxima atividade ou pode fazer uma atividade complementar naquela estação”, explica a professora.
Para praticar o ensino híbrido, Carla mudou sua forma de preparar as aulas: no lugar de planejar pensando em suas ações enquanto professora, ela passou a pensar no que o aluno faria, já que o professor atua como mediador do processo de aprendizagem e dá ao aluno o lugar de protagonista. “No ensino híbrido a pergunta é: o aluno faz o quê? O planejamento está no fazer do estudante”. Hoje, a professora vê que essa lógica já se tornou parte do seu dia a dia e ela planeja automaticamente dentro de modelos híbridos. “Depois que começa a fazer assim, dificilmente você vai conseguir pensar uma aula em que o aluno não seja autônomo, protagonista do processo de aprendizagem”, conta Carla.
Fonte: Nova Escola