Apesar de avanços importantes na educação, o Brasil chega à segunda década do século XXI sem vencer um desafio básico: cerca de 30% da população entre 15 e 64 anos não conseguem compreender plenamente o que leem ou realizar operações matemáticas simples. O número, preocupante, é do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), que mostra ainda: o percentual é o mesmo desde 2018, e a taxa de analfabetismo é maior entre pessoas com 40 anos ou mais, o que tem forte impacto em produtividade, cidadania e no exercício da democracia no país.
— Essa dimensão do indivíduo é bem importante. Cada uma dessas pessoas teve seu direito à educação negado de alguma maneira em sua história. Do ponto de vista dos direitos humanos, este talvez seja o marco zero. Do ponto de vista social, isso tem um impacto negativo sobre a renda e, consequentemente, sobre o acesso a saúde, moradia, a uma vida melhor, em resumo. São pessoas que estão sempre à margem do mercado de trabalho — analisa Roberto Catelli Jr., coordenador da área de educação da ONG Ação Educativa, responsável pelo Inaf.
O Inaf acompanha os índices de alfabetização no Brasil em uma série histórica que começou em 2001, e identifica cinco níveis de proficiência: analfabeto (7%), rudimentar (22%), elementar (34%), intermediário (25%) e proficiente (12%). Pela primeira vez, o instituto trouxe informações da vida digital.
— O que a gente viu é uma tendência de reprodução da desigualdade no universo digital, porque o analfabeto funcional tem muita limitação para dominar esse mundo. Não é uma coisa simples — diz Catelli.
EJA como caminho
Entre as estratégias para reverter este quadro de analfabetismo funcional, o especialista aponta o caminho da Educação de Jovens e Adultos (EJA), modalidade de ensino para pessoas a partir de 15 anos que não tiveram acesso à educação na idade considerada própria. Segundo a Constituição Federal de 1998 e a Emenda Constitucional 59, de 2009, a educação básica deve ser cumprida, obrigatoriamente, dos 4 aos 17 anos de idade.
— Há uma parcela muito grande da população que não consegue retomar essa escolaridade ou avançar nela. E ainda tem um grupo grande de jovens que abandona a escola no fim da infância ou na adolescência. E onde isso poderia reverberar com força? No avanço da Educação de Jovens e Adultos, que vai responder por uma grande demanda desse público.
Catelli diz que o governo vem buscando uma aliança, um pacto com essa finalidade. Mas aponta um problema complexo: como fazer esse sujeito que de alguma maneira abandonou a escola retomar os estudos com condição de vida pra isso?
A secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação (MEC), Zara Figueiredo, vem trabalhando muito pelo fortalecimento da EJA, que, segundo ela, não está no centro da política educacional.
— A EJA é uma modalidade, mas as redes têm compreendido de modo equivocado que ela não é uma oferta obrigatória. Os dados do último Censo nos mostram que temos 1.092 municípios que não ofertam nenhuma vaga de EJA, ou 20% dos municípios brasileiros. Isso não acontece no Fundamental I, no Fundamental II, no Ensino Médio em termos de oferta, mas acontece com a EJA.
Zara aponta esse problema como central e estruturante, porque leva a outros: ausência de formação, de políticas de incentivo para professores permanecerem na EJA e um outro problema de natureza pedagógica que é uma “juvenilização da EJA” — porque muitos estudantes de 15 anos com problemas de indisciplina são encaminhados para a modalidade.
Demanda pela EJA
Esses problemas se somam a um currículo defasado, que não envolve profissionalização, à falta de formação continuada para professores e à ausência de busca ativa por parte das redes. São motivos que levam a EJA atual a não conseguir atrair e manter esses jovens nas escolas.
— O público da EJA é composto por indivíduos muito empobrecidos, negros, de renda per capita baixíssima. A maioria está no Nordeste e sequer sabem que a EJA é um direito. Sem busca ativa, dificilmente esse indivíduo vai procurar a escola. E quando você fala com a rede que não tem EJA, a rede diz que não tem demanda, o que não é verdade — diz a secretária.
No ano passado, o MEC lançou o Pacto de Superação do Analfabetismo. Este ano, a EJA teve ajustes de financiamento. A Secadi aposta ainda na formação de professores e na construção de uma rede de governança com 2.300 profissionais para atuar nos territórios, ajudando na busca ativa, na articulação para montar turmas e também como uma ponte entre o MEC e as redes de ensino para que os professores participem das formações.
Zara Figueiredo enfatiza que é preciso ter um currículo mais flexível para atrair os jovens e reconhecer os saberes dessas pessoas.
—Todo saber informal que permitiu a essas pessoas viverem ao longo da vida em uma sociedade letrada sem que fossem letradas precisa ser reconhecido. Eles não podem chegar na escola e ter a percepção de que são uma xícara vazia. Não são. Reconhecer e valorizar esses saberes como estratégia pedagógica para reduzir o currículo de formação tem impacto na autoestima e na permanência do aluno na escola — acredita a secretária.
Gargalo educacional
A partir do diagnóstico do Inaf, o professor de matemática Vitor Fontes, pesquisador dos novos ambientes educativos e especialista de conteúdo e inovação na Casa Firjan, tem a percepção de que as articulações de órgãos e sociedade para tentar sanar as questões de educação são sempre muito institucionais. Ficam na dimensão dos gestores, dos líderes, de quem concebe os projetos. Não vão para o cotidiano. Mas cita projetos como o Mais Educação (2007-2016), iniciativa do governo federal que integrava diferentes áreas do conhecimento, com o objetivo de ampliar a jornada escolar. Atualmente, ele cita como iniciativas positivas o programa Sesi Matemática, da Firjan, o data_labe e diversas outras ações que acontecem no Complexo da Maré, conjunto de favelas na Zona Norte do Rio.
— Se você olhar as iniciativas da Redes da Maré, parece que eles funcionam como uma secretaria de cultura, educação, atendimento à mulher, tamanha a potência — elogia. — Assim como fazem essa migração do Ensino Fundamental para o Médio, eles fazem preparatório para o 6º ano, que é uma fase crítica de evasão escolar. São projetos que criam frestas e possibilidades para os jovens daquele território.
O Inaf acompanha os índices de alfabetização no Brasil em uma série histórica que começou em 2001, e identifica cinco níveis de proficiência: analfabeto (7%), rudimentar (22%), elementar (34%), intermediário (25%) e proficiente (12%). Pela primeira vez, o instituto trouxe informações da vida digital.
— O que a gente viu é uma tendência de reprodução da desigualdade no universo digital, porque o analfabeto funcional tem muita limitação para dominar esse mundo. Não é uma coisa simples — diz Catelli.
EJA como caminho
Entre as estratégias para reverter este quadro de analfabetismo funcional, o especialista aponta o caminho da Educação de Jovens e Adultos (EJA), modalidade de ensino para pessoas a partir de 15 anos que não tiveram acesso à educação na idade considerada própria. Segundo a Constituição Federal de 1998 e a Emenda Constitucional 59, de 2009, a educação básica deve ser cumprida, obrigatoriamente, dos 4 aos 17 anos de idade.
— Há uma parcela muito grande da população que não consegue retomar essa escolaridade ou avançar nela. E ainda tem um grupo grande de jovens que abandona a escola no fim da infância ou na adolescência. E onde isso poderia reverberar com força? No avanço da Educação de Jovens e Adultos, que vai responder por uma grande demanda desse público.
Catelli diz que o governo vem buscando uma aliança, um pacto com essa finalidade. Mas aponta um problema complexo: como fazer esse sujeito que de alguma maneira abandonou a escola retomar os estudos com condição de vida pra isso?
A secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação (MEC), Zara Figueiredo, vem trabalhando muito pelo fortalecimento da EJA, que, segundo ela, não está no centro da política educacional.
— A EJA é uma modalidade, mas as redes têm compreendido de modo equivocado que ela não é uma oferta obrigatória. Os dados do último Censo nos mostram que temos 1.092 municípios que não ofertam nenhuma vaga de EJA, ou 20% dos municípios brasileiros. Isso não acontece no Fundamental I, no Fundamental II, no Ensino Médio em termos de oferta, mas acontece com a EJA.
Zara aponta esse problema como central e estruturante, porque leva a outros: ausência de formação, de políticas de incentivo para professores permanecerem na EJA e um outro problema de natureza pedagógica que é uma “juvenilização da EJA” — porque muitos estudantes de 15 anos com problemas de indisciplina são encaminhados para a modalidade.
Demanda pela EJA
Esses problemas se somam a um currículo defasado, que não envolve profissionalização, à falta de formação continuada para professores e à ausência de busca ativa por parte das redes. São motivos que levam a EJA atual a não conseguir atrair e manter esses jovens nas escolas.
— O público da EJA é composto por indivíduos muito empobrecidos, negros, de renda per capita baixíssima. A maioria está no Nordeste e sequer sabem que a EJA é um direito. Sem busca ativa, dificilmente esse indivíduo vai procurar a escola. E quando você fala com a rede que não tem EJA, a rede diz que não tem demanda, o que não é verdade — diz a secretária.
No ano passado, o MEC lançou o Pacto de Superação do Analfabetismo. Este ano, a EJA teve ajustes de financiamento. A Secadi aposta ainda na formação de professores e na construção de uma rede de governança com 2.300 profissionais para atuar nos territórios, ajudando na busca ativa, na articulação para montar turmas e também como uma ponte entre o MEC e as redes de ensino para que os professores participem das formações.
Zara Figueiredo enfatiza que é preciso ter um currículo mais flexível para atrair os jovens e reconhecer os saberes dessas pessoas.
—Todo saber informal que permitiu a essas pessoas viverem ao longo da vida em uma sociedade letrada sem que fossem letradas precisa ser reconhecido. Eles não podem chegar na escola e ter a percepção de que são uma xícara vazia. Não são. Reconhecer e valorizar esses saberes como estratégia pedagógica para reduzir o currículo de formação tem impacto na autoestima e na permanência do aluno na escola — acredita a secretária.
Gargalo educacional
A partir do diagnóstico do Inaf, o professor de matemática Vitor Fontes, pesquisador dos novos ambientes educativos e especialista de conteúdo e inovação na Casa Firjan, tem a percepção de que as articulações de órgãos e sociedade para tentar sanar as questões de educação são sempre muito institucionais. Ficam na dimensão dos gestores, dos líderes, de quem concebe os projetos. Não vão para o cotidiano. Mas cita projetos como o Mais Educação (2007-2016), iniciativa do governo federal que integrava diferentes áreas do conhecimento, com o objetivo de ampliar a jornada escolar. Atualmente, ele cita como iniciativas positivas o programa Sesi Matemática, da Firjan, o data_labe e diversas outras ações que acontecem no Complexo da Maré, conjunto de favelas na Zona Norte do Rio.
— Se você olhar as iniciativas da Redes da Maré, parece que eles funcionam como uma secretaria de cultura, educação, atendimento à mulher, tamanha a potência — elogia. — Assim como fazem essa migração do Ensino Fundamental para o Médio, eles fazem preparatório para o 6º ano, que é uma fase crítica de evasão escolar. São projetos que criam frestas e possibilidades para os jovens daquele território.
Fonte: O Globo